Só levo a saudade.

"São os olhos, são as asas
Cabelos de Avôhai..."

 Era automático, eu despertava com o sol e isso só acontecia ali. Enfiava os dedos no chinelo com  pressa e corria pelo corredor sentindo o cheiro de café coado. Ia em disparada até o portão, de onde eu tinha a visão que me trazia paz. Embaixo de uma Mangueira pouco desenvolvida ele ficava de pé, como que esperando meu despertar. Quando me via, sorria de uma ponta a outra como quem diz: Vamos? E eu ia.. ia correndo! Era parte da nossa rotina ir a padaria juntos, e fazer tantas outras coisas. Já na padaria, ele me falava: Vá, escolha seu pão! E eu passava alguns minutos admirando a diversidade de pães nas vitrines até escolher, sempre o mesmo. Então, voltávamos pra casa. Abraçada ao meu pacote eu caminhava ao seu lado, enquanto ele não parava de cantarolar: A menina do vovô, a menina da vovó, tan dam! Era simples.Único.Quanta falta eu sinto vovô! O senhor foi embora e eu nem pude falar o quanto eu te amo e o quanto seu papel foi importante na minha criação. Queria tanto você aqui, tanto! Só eu sei o que senti quando entrei naquela rua e não vi o senhor lá, me esperando. A casa parecia menor, diferente! E a padaria não mudou nada, vovô.. até as vitrines são as mesmas. Se eu pudesse te contar dos vários planos que eu tenho, do violão que eu ganhei e da melodia que penso em fazer pra nossa música! Se eu pudesse te contar que passei no vestibular! Vou ser fisioterapeuta, vovô! Acredita nisso? A primeira neta na faculdade, sei do orgulho que teria de mim!  Se eu pudesse te mostrar quantos netos já tem, um mais lindo que o outro! Sabe vovô, 10 anos se passaram e eu era tão pequena quando tudo aconteceu, mas ainda te guardo tão vivo na memória. Não posso falar do senhor não! Engasgo.. choro.. gaguejo. Por isso, escrevo! Escrevo todo meu amor, toda minha gratidão e minhas lembranças... que não são poucas.

Ouvindo:  Zé Ramalho-Avôhai